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Como a cerveja ajudou a criar um país

Reinos distantes, muita guerra, traição e a ambição de conquistar o poder acima de tudo: esta história poderia até ser uma temporada da série Game of Thrones, com uma única diferença que, ao invés de dragões, os mestres da República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos utilizaram cerveja para conquistar a sua independência.

 O ano era 1568, naquela época os territórios da atual Holanda, Bélgica e Luxemburgo pertenciam ao Império Espanhol e eram comandados pelo Rei Felipe II, oriundo da mais alta casta familiar europeia, a Casa de Habsburgo. Entre outras diferenças importantes, o rei espanhol era católico enquanto os habitantes dos Países Baixos eram protestantes. Para além disso, os territórios ocupados pelos espanhóis reclamavam da alta cobrança de impostos do Sul, o que gerou naquele ano uma revolta das províncias do Norte contra o rei católico.

O que parecia ser uma causa ganha, na disputa do então maior império do planeta contra algumas poucas províncias protestantes no norte da Europa, acabou se tornando uma guerra que perduraria quase um século, conhecida como a Guerra dos 80 Anos. Entre muitas idas e vindas, alianças entre as províncias do norte que desencadearam na independência da atual Holanda e posterior formação da Bélgica, os pequenos países do Norte contaram com dois fatores muito importantes para ganhar essa batalha contra o grandioso Império Espanhol: a ajuda dos reinos da Inglaterra, Escócia e França e… a cerveja!

Segundo os pesquisadores da Universidade de Leuven (Bélgica), em seu estudo “Como a cerveja ajudou a criar a Bélgica (e a Holanda): a contribuição dos impostos em cerveja para o financiamento bélico durante a Revolta Holandesa”, a Espanha havia subestimado a capacidade de resiliência dos povos protestantes, especialmente enquanto o próprio reino espanhol tinha dificuldades em pagar suas tropas em combate. Vamos por partes.

De acordo com a publicação acima, o reino da Espanha arrecadava uma quinta parte (20%) de toda a extração de prata da América, o que lhe conferia, a priori, fundos muitos superiores a dos Países Baixos. No entanto, a região onde hoje se encontra a Bélgica e a Holanda taxavam em 19% toda a produção  e consumo de cerveja local. Para se ter uma ideia, esta tática de mestre equivaleu a quase um terço de tudo o que a Espanha arrecadou em prata no mesmo período durante a Guerra dos 80 Anos. Enquanto uns ganhavam com a prata, outros ganhavam com a cerveja.

Na época, tomar cerveja não era apenas um luxo, era também questão de saúde pública. Por conta da fermentação e do lúpulo que ajudam a matar os microrganismos presentes na água, e sem um sistema de saneamento básico como temos hoje em dia, a vida na Europa no século 16 girava bastante ao redor do álcool caso você não quisesse adoecer. Desta maneira engenhosa, o governo holandês conseguiu arrecadar fundos suficientes, manter-se na disputa e dar a volta por cima do Império Espanhol em 1648, com a assinatura do Tratado de Münster.

 Com o tratado de paz, a Holanda se tornou um país independente da Espanha e os territórios do sul, tal qual foram divididos na assinatura do acordo, posteriormente se tornaram a Bélgica e Luxemburgo. Embora não diretamente, a cerveja acabou criando duas nações no planeta que, não à toa, hoje se orgulham de suas produções locais, sendo referência deste tipo de bebida no mundo todo.

Com informação de: “How beer created Belgium (and the Netherlands): the contribution of beer taxes to war finance during the Dutch Revolt” (Artigo publicado por Koen Deconinck, Eline Poelmans & Johan Swinnen no portal Taylor & Francis Online); The Conversation e Wikipédia